quarta-feira, 18 de março de 2009

Comunhão



Dietrich Bonhoeffer


“Como é bom, como é agradável habitar todos juntos como irmãos!” (Salmo 133.1)

A seguir veremos algumas diretrizes e regras que as Escrituras Sagradas oferecem para a vida em comunhão sob a Palavra.

Não é óbvio que a pessoa cristã viva entre cristãos. Jesus Cristo viveu em meio a seus adversários. Por fim, todos os discípulos o abandonaram. Na cruz, ele esteve em total solidão, cercado de malfeitores e zombadores. Foi para isso que ele veio: para trazer a paz aos inimigos de Deus. Assim também o lugar do cristão não é na reclusão da vida monacal, mas em meio aos inimigos. É ali que está sua missão, sua tarefa. “O Reino tem que ser estabelecido em meio aos teus inimigos. Quem não quiser se sujeitar a isso não quer ter parte no Reino de Cristo, mas quer viver cercado de amigos, viver em um mar de rosas, na companhia de gente piedosa, jamais de gente má. Ó blasfemadores e traidores de Cristo! Se Cristo tivesse agido como vocês, quem teria se salvo?” (Lutero)

“Eu os semearei entre os povos, mas de longe se lembrarão de mim” (Zacarias 10.9). Pela vontade de Deus, a cristandade é um povo disperso, disperso como semente “entre todos os reinos da terra” (Deuteronômio 28.25). Essa é a sua maldição e a sua promessa. O povo de Deus viverá em terras distantes, entre os descrentes, mas será a semente do Reino de Deus no mundo inteiro.

“Assobiarei para reuni-los porque eu os resgatei”, “e retornarão” (Zacarias 10.8 e 9). Quando isso acontecerá? Já aconteceu em Jesus Cristo que morreu “para congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos” (João 11.52) e acontecerá de forma visível no final dos tempos, quando os anjos de Deus ajuntarem os escolhidos de Deus dos quatro cantos da terra, de um lado do mundo até o outro (Mateus 24.31). Até lá o povo de Deus continua na dispersão, tendo Jesus Cristo como único laço de união, unificados pelo fato de, dispersos entre os descrentes, conservarem sua memória em país estranho.

O privilégio que o cristão têm de viverem já agora em comunhão visível com outros cristãos, no período entre a morte de Cristo e o juízo final, é apenas uma antecipação misericordiosa das coisas derradeiras. É graça de Deus uma comunidade poder reunir-se neste mundo, de maneira visível, em torno da Palavra de Deus e dos Sacramentos. Nem todos os cristãos compartilham dessa graça. As pessoas presas, doentes, solitárias na dispersão, que pregam o Evangelho em terras pagãs estão sozinhas. Elas sabem que a comunhão visível é graça. E oram junto com o salmista: “Eu irei ao altar de Deus, ao Deus que me alegra. Vou exultar e celebrar-te com a harpa” (Salmo 42.4). No entanto, permanecem solitárias, semente dispersa em terras distantes, conforme a vontade de Deus. Porém, elas aprendem tanto mais veementemente pela fé o que lhes é negado como experiência visível. Assim João, o discípulo exilado do Senhor, o apocalíptico, celebra o culto celestial com suas igrejas na solidão da ilha de Patmos “no dia do Senhor, dominado pelo Espírito de Deus” (Apocalipse 1.10). Ele vê os sete candelabros, que são suas igrejas; as setes estrelas, que são os anjos das comunidades; e, no meio e por cima de tudo isso, o Filho do Homem, Jesus Cristo, na imensa glória do Ressurreto. Esse fortalece-o e consola-o com sua Palavra. Esta é a comunhão celestial da qual participa o exilado no dia da ressurreição de seu Senhor.

A presença física de outros cristãos constitui uma fonte de alegria e fortalecimento incomparáveis. Invadindo por grande saudade. Paulo pede a presença de Timóteo, “meu querido filho na fé”, pra fazer-lhe companhia na prisão nos últimos dias de vida, quer revê-lo e tê-lo a seu lado. Paulo não esqueceu as lágrimas de Timóteo por ocasião de sua última despedida (2 Timóteo 1.4). Ao recordar da comunidade de Tessalônica, Paulo ora: “Noite e dia rogamos com instância poder revê-nos” (1 Tessalonicenses 3.10), e o velho João sabe que a alegria com os seus só será completa quando puder visitá-los e falar com eles pessoalmente, ao invés de lhes escrever (2 João 12).

Não é vergonha o crente ter saudade da companhia de outros cristãos, como se isso fosse sinal de viver ainda por demais na carne. O ser humano é criado como carne, na carne apareceu o filho de Deus na terra por amor a nós.(...) Através da pessoa física do irmão, o crente louva o Criador, Reconciliador e Salvador, Deus Pai, Filho e Espírito santo. Na proximidade do irmão, o preso, o doente, o cristão na diáspora reconhece um gracioso sinal físico da presença do Deus triúno.

Na solidão, visitante e visitado reconhecem um no outro o Cristo presente na carne, recebem e se encontram como se com o Senhor se encontrassem – em reverência, humildade e alegria. Aceitam a bênção um do outro como do próprio Senhor Jesus Cristo. Se um único encontro com um irmão traz tanta felicidade, que riqueza inesgotável deve se abrir àqueles que, pela vontade de Deus, são considerados dignos de viver em comunhão diária com outros cristãos!

Obviamente o que para a pessoa solitária é indizível graça de Deus, facilmente pode ser desprezado e pisado pela pessoa que goza desse privilégio todos os dias. Facilmente esquece-se que a comunhão dos irmãos cristãos é um presente gracioso procedente do Reino de Deus, que pode nos ser tirado a qualquer hora, e que talvez um prazo muito curto de tempo esteja nos separando da mais profunda solidão. Por isso, quem pode até este momento viver em comunhão com outros irmãos, que louve a graça de Deus do fundo do coração, agradeça de joelhos e reconheça: è graça, nada mais do que graça, o fato de que hoje ainda podemos viver em comunhão com irmãos cristãos.

É variada a medida da graça da comunhão visível que Deus concede. Uma visita rápida de um irmão cristão, uma oração em conjunto e a bênção fraterna consolam o cristão que vive na diáspora, uma carta escrita pela mão de um cristão conforta-o. As saudações escritas a próprio punho por Paulo em suas cartas eram, sem dúvidas, sinais de tal comunhão. Outras pessoas desfrutam da comunhão do culto dominical. Outras ainda levam uma vida cristã na comunhão familiar. Antes de serem ordenados, jovens teólogos recebem o presente da vida em comunhão com os irmãos por determinado período. Nas comunidades cristãs de fato desperta hoje o desejo de aproveitar os intervalos entre um e outro período de trabalho para um momento de comunhão com outros cristãos sob a palavra. Os cristãos de hoje compreendem de novo a vida em comunhão como sendo a graça, que ela é de fato, como o extraordinário, “as rosas e os lírios” da vida cristã (Lutero).

Comunhão cristã é comunhão por meio de Jesus Cristo e em Jesus Cristo. Não há comunhão cristã que seja mais ou menos do que isso. Quer seja um único e breve encontro ou uma comunhão diária que perdure há anos, a comunhão cristã é somente isso. Pertencemos uns aos outros tão-somente por meio de e em Jesus Cristo.

O que significa isso?

Em primeiro lugar, isso significa que um cristão precisa do outro por amor a Jesus Cristo.

Em segundo lugar, isso significa que um cristão só consegue chegar ao outro por meio de Jesus Cristo.

E em terceiro lugar, isso significa que nós fomos eleitos desde a eternidade, aceitos no tempo e unidos para a eternidade em Jesus Cristo.

[...]


Fonte: Vida em Comunhão, Editora Sinodal, pgs. 09, 10, 11 e 12.

2 comentários:

Deivid Junio disse...

Oi Francis.
Obrigado pelo belo comentário. Fiquei mt feliz com ele.
Gostei mt dos textos que vc postou. São leituras enriquecedoras e edificantes.
Aliás, na próxima ceia devo aparecer para rever os irmãos.
Forte abraço. A Paz.

Unknown disse...

crente sem comunhão, não rola né, é essêncial!
paz...