sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Deus não tem netos


Em 1904 o País de Gales experimentou um avivamento marcante. Milhares de pessoas conheceram a Cristo e os resultados foram incríveis. Bares fecharam-se devido à falta de fregueses. Policiais trocaram suas armas por luvas brancas já que o crime desaparecera. Cavalos não entendiam seus donos que já não mais diziam palavras profanas. O País de Gales enviou missionários para o mundo todo.

Um desses missionários viajou para a Argentina aonde em uma das ruas conduziu um mocinho a Cristo. O nome do moço era Luiz Palau. Desde então ele tornou-se conhecido como o “Billy Graham” da América Latina. Por sua gratidão pelo missionário do País de Gales, Palau viajou para lá durante os anos 70, no intuito de expressar essa gratidão àquela nação que o ajudara a conhecer a Cristo. Mas sua descoberta foi terrível! Menos da metade de um por cento dos habitantes daquele país participavam de uma igreja. O número de divórcios era alto e o crime estava em forte ascendência. Muitas igrejas tinham sido fechadas e transformadas em bares e o rúgbi tinha substituído o cristalino, como a região nacional.

Como resultado da experiência, Palau produziu um filme chamado “God Hás Grandchildren” (Deus Não Tem Netos). A mensagem do filme é que cada geração é responsável por transmitir a fé para a próxima geração. No País de Gales, apesar da tremenda vitalidade espiritual, o impacto do cristianismo desaparecera pelos anos 70. Os pais haviam falhado em passarem sua fé aos filhos. Cada geração é responsável por passar aos filhos o Evangelho e as verdades das Escrituras.


Extraído do livro “O Seu Dinheiro”, Howard Dayton - Crown Financial Ministries

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A vida cristã normal


Watchman Nee

A nossa crucificação jamais se tornará eficaz através da nossa vontade, do nosso esforço, e sim, unicamente por aceitarmos o que o Senhor Jesus Cristo fez na Cruz. Os nossos olhos devem estar abertos à obra consumada no Calvário. Talvez você tenha procurado, antes de receber a salvação, salvar-se a si mesmo, lendo a Bíblia, orando, freqüentando a Igreja, dando ofertas. Depois, um dia, se lhe abriram os olhos e você percebeu que a plena salvação já lhe foi provida na Cruz. Você simplesmente a aceitou, agradecendo a Deus, e então seu coração foi permeado pela paz e alegria.


(Extraído do livro A vida cristã normal, Watchman Nee, Editora Fiel.)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Não impeçam as crianças




Charles Haddon Spurgeon

Há algum tempo, uma pessoa que quis, suponho eu, fazer com que sentisse minha própria insignificância, me escreveu para dizer que havia se encontrado com alguns negros que tinham lido meus sermões com grande prazer; e essa pessoa acreditava que eram muito adequados para eles. Sim, minha pregação era justamente o tipo de coisa para esses homens. O remetente nem sonhava que me dava um prazer muito sincero; pois se sou compreendido por pessoas pobres, por empregadas, por crianças, estou certo de que posso ser entendido por outros.

Ambiciono pregar ao mais humilde, ao mais simples e desprezado. Nada é mais importante do que ganhar o coração dos despretensiosos, como também ganhar o coração das crianças. As pessoas, às vezes, falam à respeito de alguém: "Ele só serve para ensinar crianças: pregador ele não é." Pois eu lhes digo, à vista de Deus, não é pregador quem não se importa com as crianças. Deveria haver pelo menos uma parte de cada sermão e culto que agradasse aos pequenos. É um erro aquilo que permite que esqueçamos disso.

Os pais também pecam quando omitem a religião da educação de seus filhos. Talvez a idéia seja que suas crianças não podem ser convertidas enquanto são crianças, e então acham o lugar onde eles estudam nos seus tenros anos inconseqüente. Mas isso não é verdade. Muitos pais esquecem-se disso até quando suas meninas e meninos estão nos últimos anos da escola. Mandam-nos para outros países, a lugares com toda sorte de perigo moral e espiritual, com a idéia de que lá poderão completar os estudos elegantemente. Em quantos casos eu vi essa instrução completada, e ela produziu moços que são consumados libertinos, e moças que só sabem flertar. Conforme se semeia, se colhe. Vamos esperar que nossos filhos conheçam o Senhor. Que desde o início combinemos com seu "ABC" o nome de Jesus. Que leiam suas primeiras lições da própria Bíblia. É notável o fato de que as crianças não aprendem a ler de nenhum outro livro tão rapidamente como do Novo Testamento; há um encanto no livro que atrai a mente infantil. Mas nunca sejamos culpados, como pais, de esquecer o treinamento religioso de nossas crianças; porque, se deixarmos isso esquecido, poderemos ser culpados do sangue de suas almas.

Outro resultado é que a conversão de crianças não é esperada em muitas de nossas igrejas e congregações. Ou seja, não se espera que as crianças sejam convertidas enquanto crianças. A teoria é que, se podemos estampar sobre a mente das crianças bons princípios que lhes possam ser úteis em anos vindouros, já fizemos o suficiente; mas converter crianças enquanto crianças e considerá-las como sendo tão crentes como adultos, é visto como absurdo. A esse suposto absurdo, eu me agarro de todo o coração. Creio que das crianças é o Reino de Deus, tanto na Terra como no céu.

Outro problema é que não se acredita na conversão de crianças. Certos indivíduos desconfiados sempre afiam seus dentes quando ouvem falar de uma criança recém convertida: querem avançar para tirar um naco dela se puderem. Insistem, corretamente, que essas crianças sejam examinadas com cuidado antes de serem batizadas e admitidas na igreja; mas estão errados em insistir que só em casos excepcionais devem ser recebidas. Concordamos com eles quanto ao cuidado a ser exercido; mas deve ser o mesmo em todos os casos, nem mais nem menos nos casos de crianças.

É muito freqüente as pessoas esperarem de meninos e meninas a mesma solenidade de comportamento de pessoas mais velhas! Seria um bem para todos nós se nunca tivéssemos deixado de ser meninos e meninas, e tivéssemos acrescentado a todas as excelências de uma criança as virtudes de um homem. Certamente, não é necessário matar a criança para fazer o santo! Os mais severos pensam que um pequeno convertido deve ficar vinte anos mais velho em um minuto. Certa vez, um indivíduo muito solene me chamou do playground e me admoestou sobre a impropriedade de eu jogar uma brincadeira de armadilha, bastão e bola com os meninos. Ele disse: "Como você pode brincar como os outros, se você é um filho de Deus?" Respondi que eu tinha a responsabilidade de conduzir as pessoas aos assentos na igreja, e fazia parte de minhas obrigações participar dos passatempos dos garotos. Meu crítico venerável achou que isso alterava bem o assunto; mas estava claro que sua visão era que um menino convertido nunca deveria brincar!

As pessoas não esperam das crianças uma conduta mais perfeita do que elas próprias demonstram? Se uma criança crente tem um acesso de raiva, ou age mal em algum caso pouco importante por esquecimento, ela é condenada na hora como sendo um pequeno hipócrita por aqueles que estão longe de ser perfeitos. Jesus diz: "Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos." Cuidado para não dizerem nenhuma palavra cruel contra seus irmãos pequenos em Cristo, suas irmãzinhas no Senhor. Jesus valoriza tanto seus preciosos cordeirinhos que ele os leva em seu seio; e eu encarrego vocês que seguem seu Senhor em todas as coisas a mostrarem ternura semelhante aos pequenos da família divina.

"Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam. Quando Jesus viu isso, ficou indignado." Ele não ficava indignado com freqüência, certamente. E quando ficou, sabemos que o caso era sério. Indignou-se por essas crianças serem empurradas para longe dele, uma vez que essa atitude era contrária ao seu pensamento sobre elas. Os discípulos fizeram mal às mães; eles repreenderam os pais por fazerem um ato materno--por fazerem, de fato, aquilo que Jesus amava que fizessem. Levavam seus pequenos a Jesus por respeito a ele; valorizavam uma bênção que viesse de suas mãos mais do que ouro; tinham certeza de que uma bênção de Deus viria, com o toque do grande Profeta. Podem ter esperado que um toque da mão de Jesus tornasse a vida de seus filhos alegre e feliz. Embora possa ter havido algo de fraqueza no pensamento dos pais, mesmo assim o Salvador não podia julgar duramente aquilo que surgiu de reverência pela sua pessoa. Por isso, ele indignou-se bastante ao pensar que aquelas boas senhoras, que quiseram prestar-lhe honra, fossem rudemente impedidas.

Fez-se também um mal às crianças. Os doces pequeninos! O que eles tinham feito para serem repreendidos por virem a Jesus? Não tencionavam atrapalhar. Pobrezinhos! Teriam caído a seus pés em amor reverente para com o Mestre de doce voz que encantava não só homens, mas crianças também, com suas palavras ternas. Os pequenos não tencionavam mal, e por que levariam a culpa?

Além disso, também havia o mal feito a ele próprio. Poderia deixar as pessoas pensando que Jesus era durão, reservado e auto-suficiente, como os rabinos. Ora, se pensassem que ele não podia condescender a crianças, teriam caluniado tristemente o bom nome de seu grande amor. Pois seu coração era um grande porto onde muitas embarcaçõezinhas poderiam ancorar. Jesus, o homem-criança, nunca esteve mais à vontade do que com crianças. Jesus, a criança santa, tinha afinidade com crianças. Seria ele representado pelos seus próprios discípulos como alguém que fecharia a porta para as crianças? Isso prejudicaria seu caráter. Portanto, entristecido pelo mal triplo que feriu mães, crianças e a si mesmo, ele ficou indignado. Qualquer coisa que fazemos para impedir uma querida criança de vir a Jesus desagrada ao nosso querido Senhor. Ele exclama: "Abram espaço. Deixe-os em paz. Que venham a mim, e não os impeçam.

"Outra coisa: isso era contrário ao seu ensino; pois ele prosseguiu para dizer: "Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele." O ensino de Cristo não era o de que existe algo em nós que nos capacita para o Reino; e que um certo número de anos poderá nos tornar capazes de receber graça. Seu ensino era todo em outra direção, ou seja, de que nós não devemos ser nada, que quanto menos somos e quanto mais fracos, melhor; pois quanto menos temos do eu, mais espaço há para a graça divina dele. Você pensa chegar a Jesus subindo a escada do saber? Desça; você se encontrará com ele ao pé dela. Pensa alcançar Jesus subindo o morro íngreme da experiência? Desça, meu caro escalador; ele está na planície. "Ah! mas quando eu for velho, então estarei preparado para Cristo." Fique onde você está, jovem; Jesus o encontra na porta da vida; você nunca esteve mais preparado para se encontrar com ele do que justamente agora. Ele nada pede de você a não ser que não seja nada, e que ele possa ser tudo em tudo para você. Este é o ensinamento dele, e mandar afastar a criança porque ela não tem isto ou aquilo é resistir abertamente à bendita doutrina da graça de Deus.

Mais uma vez, impedir os pequenos era bem contrário à prática de Jesus Cristo. Ele os fez ver isso; porque "tomou as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou". Durante toda a sua vida, nada houve nele que se parecesse com rejeição e recusa. Ele disse verdadeiramente: "Quem vier a mim eu jamais rejeitarei." Se ele rejeitasse quaisquer pessoas por serem novas demais, o texto seria declarado falso de imediato, mas isso nunca acontecerá. Ele recebe todos que vêm a ele. Está escrito: "Este homem recebe pecadores e come com eles." Toda a sua vida poderá ser desenhada como um pastor com um cordeiro em seu seio: nunca como um pastor cruel atiçando seus cães atrás de cordeiros e tirando-os de perto, juntamente com suas mães.


(Charles Spurgeon, Pescadores de Crianças, capítulo 2 "Não impeçam as crianças")

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Nossa responsabilidade de zelar pelo evangelho



John Stott

(2 Timóteo 1:12b-18)

Deixando de lado, por enquanto, a segunda parte do versículo 12, chegamos à dupla exortação de Paulo a Timóteo, nos dois versículos seguintes: “Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste” (v.13); “guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós” (v.14).

Aqui Paulo se refere ao evangelho, à fé apostólica, usando duas expressões. O evangelho é tanto um padrão de sãs palavras (v. 13), como um depósito precioso (v.14).

“Sãs” palavras são palavras “saudáveis”. A expressão grega é empregada nos evangelhos nos casos de pessoas curadas por Jesus. Anteriormente eram deformes ou doentes; agora estavam bem ou “sãs”, por não ser mutilada ou enferma, mas “sadia”, ou “completa”. É o que Paulo mencionara, anteriormente, como sendo “todo o desígnio de Deus” (Atos 20:27).

Além disso, essas “sãs palavras” foram dadas por Paulo a Timóteo num “padrão”. A palavra grega aqui é hypotyposis. A Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH) traduz por “exemplo”. E o Dr. Guthrie diz que ela significa um “esboço rápido, como o faria um arquiteto, antes de lançar no papel os planos detalhados de uma construção” [15]. Neste último caso Paulo estaria sugerindo a Timóteo que ampliasse, expusesse e aplicasse o ensino apostólico. Parece-me que essa interpretação não se harmoniza com o contexto, principalmente num confronto com o versículo seguinte. A única outra ocorrência de hypotyposis no Novo Testamento encontra-se na primeira carta de Paulo a Timóteo, onde ele descreve a si mesmo como um objeto da maravilhosa misericórdia e da perfeita paciência de Cristo, como um “exemplo dos que haviam de crer nEle” (1:16).

Arndt e Gingrich, que optaram por “modelo” ou “exemplo” como sendo a tradução usual, sugerem que essa palavra é empregada mais com o sentido de “protótipo” em 1 Timóteo 1:16 e com o sentido de “padrão” em 2 Timóteo 1:13. Neste caso Paulo estaria ordenando a Timóteo que conservasse como um padrão as sãs palavras, isto é, “como um modelo de ensino sadio”, aquilo que ouvira do apóstolo. Isto certamente corresponde ao ensino geral da carta e reflete fielmente a ênfase da sentença na primeira palavra, “modelo” ou “padrão”.

Assim, o ensino de Paulo deve ser uma regra ou diretriz para Timóteo, da qual este não deve se afastar. Pelo contrário, deve obedecer a essa regra, ou melhor, deve apegar-se a ele com firmeza (eche). E assim deve proceder “na fé e no amor que há em Cristo Jesus”. Isto é, Paulo não está tão preocupado com o que Timóteo deve fazer, mas sim como o modo como ele o fará. As convicções doutrinárias de Timóteo e a instrução recebida de outros, assim como as que reteve firmemente dos ensinos de Paulo, devem ser manifestas com fé e amor. Timóteo deve procurar estas qualidades em Cristo: uma crença sincera e um amor pleno.

A fé apostólica não é somente um “padrão de sãs palavras”; é também o “bom depósito” (he kale paratheke). Ou como expressa a BLH: “as boas coisas que foram entregues a você”. Sim, o evangelho é um tesouro, depositado em custódia na igreja. Cristo o confiou a Paulo; e Paulo, por sua vez, o confiou a Timóteo.

Timóteo deveria “guardá-lo”. É precisamente o mesmo apelo que Paulo lançou no final da sua primeira carta (6:20), com a única diferença de que agora ele o chama de “bom”, literalmente “belo” depósito. O verbo (phylasso) tem o sentido de guardar algo “para que não se perca ou se danifique” (AG). É empregado com a idéia de guardar um palácio contra saqueadores, e bens contra ladrões (Lucas 11:21; Atos 22:20). Fora há hereges prontos a corromper o evangelho e desta forma roubar da igreja o inestimável tesouro que lhe foi confiado. Cabe a Timóteo colocar-se em guarda.

Deveria ele guardar o evangelho com toda a firmeza possível em vista do que acontecera em Éfeso (a capital da província romana da Ásia) e seus arredores, onde Timóteo se encontrava (v. 15). O tempo aoristo do verbo “me abandonaram” parece referir-se a um acontecimento especial. É mais provável que tenha sido o momento da segunda detenção de Paulo. As igrejas da Ásia, onde trabalhara por vários anos, tornaram-se muito dependentes dele, e talvez a prisão do apóstolo lhes tenha incutido a idéia de que a fé cristã agora estava perdida. A reação deles talvez tenha sido repudiar Paulo ou recusar-se a reconhecê-lo. De Figelo e Hermógenes nada sabemos de concreto, mas a menção de seus nomes nos indica que possivelmente eles tenham sido os cabeças da oposição. De qualquer modo, Paulo via nesse afastamento das igrejas da Ásia mais do que uma simples deserção pessoal dele; era, sim, uma rejeição à autoridade apostólica. Deve ter-lhe sido algo bastante sério, principalmente porque alguns anos antes, durante a sua permanência em Éfeso por dois anos e meio, Lucas registra que “todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor, e muitos creram” (Atos 19:10). Agora “os que estão na Ásia” haviam voltado as costas para Paulo. A um grande despertamento seguiu-se uma grande deserção. “A todos os olhos, menos aos da fé, deve ter parecido que o evangelho estava às vésperas da extinção” [16].

Uma grande exceção parece ter sido um homem chamado Onesíforo, o qual repetidas vezes acolhera Paulo em sua casa (literalmente “reanimou-o”, v. 16) e que, em Éfeso, prestara-lhe muitos serviços (v. 18). Onesíforo permanecera desse modo, fiel ao significado do seu nome: “portador de préstimos”. Além disso, não se envergonhara das algemas de Paulo (v. 16), o que dá a entender que não repudiou a Paulo quando preso, e que o seguiu, e mesmo o acompanhou a Roma, procurando-o até encontrá-lo no calabouço. Paulo tinha boas razões para ser grato por este amigo fiel e corajoso. Não é surpreendente, pois, que se expresse por duas vezes em oração (vs. 16, 18), primeiro por sua casa (“conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo”) e depois, especificamente, por Onesíforo (“O Senhor lhe conceda, naquele dia, achar misericórdia da parte do Senhor”).

Vários comentaristas, notadamente católicos romanos, partindo das referências à casa de Onesíforo (mencionada novamente em 4:19) e à expressão “naquele dia”, têm argumentado que Onesíforo àquela altura estava morto e que, por conseguinte, no versículo 18 temos uma oração em favor de um falecido. Isto, na verdade, não passa de uma simples e gratuita conjectura. O fato de Paulo mencionar primeiro Onesíforo e depois sua casa não dá a entender necessariamente que estejam eles separados em virtude de sua morte; é mais viável crer que fosse devido à distância: Onesíforo estava ainda em Roma, enquanto que sua família permanecia em casa, em Éfeso. “Considero que é uma oração em separado pelo homem e por sua família”, escreve o Rev. Moule, “por estarem então separados um do outro, por terras e mares... Não há necessidade alguma de interpretar que Onesíforo tivesse morrido. A separação de sua família, por uma viagem, isso é o que se depreende da passagem”. [17]Em todo o caso, todos na Ásia, como Timóteo estava bem ciente, voltaram às costas ao apóstolo, com exceção do leal Onesíforo e de sua família. Era em tal situação de apostasia quase universal que Timóteo deveria “guardar o bom depósito” e “manter o padrão das sãs palavras”, ou seja, deveria preservar o evangelho imaculado e genuíno. Já seria uma grande responsabilidade para qualquer um, quanto mais para alguém com o temperamento de Timóteo. Como poderia então permanecer firme?O apóstolo dá a Timóteo a base segura de que ele necessita. Timóteo não pode pensar em guardar o tesouro do evangelho com força própria; somente poderá fazê-lo “mediante o Espírito Santo que habita em nós” (v. 14). A mesma verdade é ensinada na segunda parte do versículo 12, que até aqui ainda não consideramos. A maior parte dos cristãos está familiarizada com a tradução “porque sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia”. Essas palavras são verdadeiras e muitas outras passagens bíblicas as confirmam; quanto à estrutura lingüística, foram traduzidas acuradamente. De fato, tanto o verbo “guardar” como o substantivo “depósito” são precisamente as mesmas palavras no versículo 12 e no versículo 14 e ainda em 1 Timóteo 6:20. Presume-se, então, que “o meu depósito” não é o que eu lhe confiei (minha alma ou eu mesmo, como em 1 Pedro 4:19), mas aquilo que ele confiou a mim (o evangelho).

O sentido, pois, é este: Paulo podia dizer que o depósito é “meu”, porque Cristo lho confiou. Contudo, Paulo estava persuadido de que era Cristo que iria conversá-lo seguro “até aquele dia”, quando ele teria de prestar contas da sua mordomia.

Em que se baseava a sua confiança? Somente numa coisa: “eu o conheço”. Paulo conhecia a Cristo, em quem confiava, e estava convencido da capacidade dele para manter o depósito em segurança: “porque sei em quem tenho crido, e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (v. 12). Cristo cuidará do depósito. E agora Paulo o está confiando a Timóteo. E Timóteo pode ter esta mesma segurança.

Aqui há um estímulo muito grande. Em última análise, é Deus mesmo quem preserva o evangelho. Ele se responsabiliza por sua conservação: “Sobre qualquer outro fundamento a obra da pregação não se sustentaria nem por um momento” [18]. Podemos ver a fé evangélica encontrando oposição em toda parte, e a mensagem apostólica sendo ridicularizada. Talvez vejamos uma crescente apostasia crescer na igreja, muitos de nossa geração abandonando a fé de seus pais. Mas não temos nada a temer! Deus nunca permitirá que a luz do evangelho apague. É verdade que ele o confiou a nós, frágeis e falíveis criaturas. Ele colocou o seu tesouro em frágeis vasos de barro, e nós devemos assumir a nossa parte na guarda e na defesa da verdade. Contudo, mesmo tendo entregado o depósito aos cuidados de nossas mãos, Deus não retirou as Suas mãos desse depósito. Ele mesmo é, afinal, o Seu melhor vigia; Ele saberá preservar a verdade que confiou à Igreja. Isto nós sabemos, porque sabemos em quem depositamos a nossa confiança, e em quem continuamos a confiar.

Vimos que o evangelho é a boa nova da salvação, prometida desde a eternidade, concretizada na História por Cristo, e oferecida à fé.

A nossa primeira responsabilidade reside na comunicação do evangelho, fazendo uso de velhos métodos ou procurando novos caminhos para torná-lo conhecido por todo o mundo. Se assim procedermos, certamente sofreremos por ele, já que o autêntico evangelho nunca foi popular. Ele humilha muito o pecador.

E ao sermos chamados a sofrer pelo evangelho, somos tentados a adaptá-lo, a eliminar aqueles elementos que ofendem e provocam oposição, a silenciar as notas que ferem os sensíveis ouvidos modernos. Mas devemos resistir a esta tentação. Pois, antes de tudo, fomos chamados a guardar o evangelho, conservando-o puro, a qualquer preço, preservando-o de toda corrupção.

Guardá-lo fielmente. Difundi-lo ativamente. Sofrer corajosamente por ele. Esta é a nossa tríplice responsabilidade perante o evangelho de Deus, de acordo com este primeiro capítulo.

Notas:
[15] - Guthrie, p. 132.
[16] - Moule, p. 16.
[17] - Moule, pp. 67,68.
[18] -Barrett, p. 97.

Fonte: John Stott, A Mensagem de 2 Timóteo, Editora ABU.