sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Até quando?

Crianças estão sendo mortas na África. São acusadas de feitiçaria.
Seitas evangélicas proliferam-se.No entanto, não fazem nada. A situação só piora...
"Na onda de medo das crianças-feiticeiras que se apoderou do Congo a partir dos anos 90, não por acaso um período de guerra civil, miséria e desintegração, aliam-se antigas crendices africanas com a ação dos pregadores pentecostais e sua ênfase nos artifícios do demônio."¹

Vi este video no blog do Lelo
E peço que vocês vejam também!




Segue mais uma reportagem:

Em Kinshasa, até a década de 1980, não se falava de crianças afastadas de suas famílias por serem consideradas feiticeiras. Mas, com a chegada das seitas religiosas e o êxodo causado pela guerra, o fenômeno se disseminou. A ponto de criar um exército de dezenas de milhares de meninos de rua, lutando todos os dias para sobreviver

de Danilo De Marco

Nestas páginas, imagens dos meninos de rua no bairro de Matete, em Kinshasa, onde proliferam centenas de seitas religiosas cristãs que, especulando com o desespero das pessoas, criaram o fenÔmeno dos “meninos-feiticeiros”
Os trinta quilômetros que separam o aeroporto de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, do bulevar “Trinta de Junho”, única artéria central da cidade, obrigam quem chega a uma imersão forçada na citéý a imensa e desconfortável megalópole pobre, formigueiro fervilhante de quase seis milhões de habitantes. A situação é tão degradada e o governo tão corrupto, que até os miseráveis que enchem as ruas, todos os dias as mesmas ruas, para angariar algum trocado dos motoristas, pagam tributo regularmente à polícia. A vida nas ruas de Kinshasa é dura. Apesar disso, estima-se que mais de quarenta mil meninos de rua vivem sem eira nem beira, sem saber o que poderão comer durante o dia, onde irão dormir, como se arranjarão na noite incerta e perigosa. Um “exército de rua” que não faz parte da realidade cultural do ex-Zaire, e que se desenvolveu inicialmente entre as décadas de 1980 e 1990, quando o regime de Mobutu Sese Seko, depois de trinta anos, começava a desintegrar-se. Um fato social derivado sobretudo da perda dos valores tradicionais do vilarejo africano, da família alargada, incrementado por uma situação econômica cada vez mais catastrófica, pela guerra ainda efervescente no nordeste, apesar do acordo de paz firmado pelas facções beligerantes em 17 de dezembro, em Pretória.
Ndokiýsignifica feiticeiro em língua indala. A doença de um parente, a perda do emprego, uma colheita ruim geralmente são atribuídos a feitiçaria. É preciso haver explicações para uma morte, pior ainda se for de um jovem - o africano não compreende a morte de uma pessoa jovem. A causa é sempre o mau-olhado de alguém ou um feitiço. Até os pesadelos suscitam suspeitas. Numa situação estagnada nas condições mais miseráveis, quando famílias com dezenas de filhos não conseguem mais se sustentar, torna-se possível acusar até o próprio filho de ser ndoki... feiticeiro endemoninhado. Assim, muitos jovens não suportam viver sobrevivendo. Nessas condições, a rua acaba por ser para eles o lugar da liberdade, o ambiente e o principal meio de socialização que substitui a família, tanto como integração quanto como proteção social.
ý crença na feitiçaria está espalhada por toda a África, mas nunca se falou em crianças feiticeiras em Kinshasa. Esse fenômeno só cresceu a partir da década de 1980, com a chegada das seitas religiosas e o êxodo rural forçado devido à marginalização econômica e à guerra. As seitas souberam interpretar muito bem a psicologia do africano, que acredita na palavra e não nos fatos. Uma religião fácil, exaltada, que se pode comprar por um dólar, acompanhada por milagres ao vivo e as massas cantando. Os pastores dessas seitas, que hoje são uma multidão, começaram a prometer soluções milagrosas e salvadoras. Quando não acontecem, é fácil acusar um dos filhos das famílias sempre numerosas de ser o responsável, de praticar a arte da feitiçaria, provavelmente apontando para o mais fraco.
Para qualquer desgraça familiar é preciso encontrar um culpado. No ano passado, centenas de jovens foram expulsos de casa em Mbuji-Mayi, uma cidade mineira, acusados de rogar uma praga que fez cair o preço dos diamantes. As crianças são acusadas de todo tipo de coisa, até de comer suas vítimas, depois de as matar. Hoje em dia, a maior parte dos meninos de rua vêm dessas experiências familiares. Mas a situação degenerou de tal forma que até em famílias de melhor condição econômica esses casos já não são raros.
Para meninos e meninas, a vida nas rua é... a liberdade, depois da experiência traumática que tiveram em suas famílias. Com o passar do tempo, o espaço aberto das ruas e a possibilidade de fazer o que desejam torna-se insubstituível. Só acompanhando o ritmo frenético desses meninos, indo de cá para lá o tempo todo, podemos começar a compreender seu estado de liberdade: é uma liberdade “apesar de tudo”. Já há meninos de rua com apenas quatro anos de idade. A vida é dura, caracterizada para todos por insegurança, homossexualidade, abusos, prostituição, drogas, maus-tratos e injúrias. Em Matete, um dos bairros mais populosos de Kinshasa, eixo de pobreza em que vivem mais de 200 mil pessoas, grande parte dos meninos de rua dorme à noite nas bancas dos mercados e nos parques públicos, alguns se encontram na velha estação ferroviária de Matete, em ruínas, mas ainda com o teto de chapas. Para todos eles a noite significa angústia e incerteza. Durante o sono, passantes mal-intencionados os chutam, atiram pedras, chegam a apagar cigarros em seus corpos. A própria polícia costuma tratar com violência esses pequenos ladrões. Os abusos e maus-tratos que os meninos e meninas de rua sofrem derivam de seu próprio regime de vida, centrado na violência. Os mais velhos roubam o dinheiro dos mais novos, forçam-nos a relações sexuais, hetero e homossexuais, e os punem por seus erros ou para acertar contas. Esses gestos são cometidos muitas vezes sob efeito de drogas, como maconha, álcool, solventes, drogas pesadas (heroína), valium, que se encontram facilmente no mercado a preços baixíssimos.
Ao lado do problema dos meninos de rua, há o dos meninos-soldados, fenômeno que se desenvolveu sobretudo nas regiões do nordeste do Congo, onde a guerra devastou territórios, massacrou animais (mais de nove mil gorilas foram mortos, correndo risco de extinção) e aterrorizou a população. A maior parte dos meninos-soldados não sabe ler. Arrancados com violência de suas carteiras na escola aos 7, 8 anos, armados com fuzis e metralhadoras às vezes maiores do que eles mesmos, passaram ainda crianças por todo tipo de experiência: mulheres, drogas, álcool. Ser militar, no Congo, mesmo aos oito anos, significa mandar, significa ter todos os direitos que o civil não tem, até mesmo o direito de matar. Em 1997, quando Kabila derrubou Mobutu, um enorme exército de meninos-soldados entrou em Kinshasa, todos em fila indiana, como formigas, depois de percorrer mais de dois mil quilômetros a pé. Há hoje um projeto de desmobilização e reintegração desses meninos, que já têm quase dezoito anos, mas resta o grande problema do que fazer com eles, na atual condição social e econômica do Congo. Além disso, esses jovens não querem ser desmobilizados, e mantêm ainda hoje duas identidades, uma com o nome que tinham como soldados e outra com o civil. Ou seja, sentem-se ainda soldados, fortes, poderosos e superiores aos meninos de rua da sua idade, que desprezam.
meninos de rua em Kinshasa
Meninos de rua e meninos-soldados. Existe mais uma relação entre esses meninos e a sociedade: por enquanto ainda não se formaram bandos organizados, mas os primeiros filhos dos meninos de rua começam a crescer. Uma bomba que deve explodir num futuro próximo. O que se pode esperar de jovens maltratados pela sociedade, abandonados, violentados, obrigados a matar ainda muito novos, na maioria das vezes sem uma razão, a não ser a que não conhecem, proteger os privilégios dos senhores da guerra?
Em torno das riquezas minerais do Congo, continua em andamento a “primeira guerra mundial africana”: ouro, diamantes, tungstênio, mas sobretudo o coltan, de cujo refino se extrai o tântalo, elemento indispensável para fabricar condensadores que se encontram em qualquer computador, palm-top, telefone celular, playstation. Sem o coltan, o mundo tecnológico pararia logo.
Como escrevia o New York Time Magazine, “a história do coltan parece clara: a globalização estava causando a ruína de um país desesperado. Para manter nossas paixões, nossos brinquedinhos eletrônicos, guerrilhas enriqueciam, gorilas eram massacrados, e a população recebia uma miséria para devastar o ecossistema local”.
A juventude congolesa está desesperada, mas ainda atenta a alguma coisa... antes que seja tarde demais.





quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ligados por besouros

Paula Mendes

Adão e Eva viviam num mundo diferente do nosso. Usavam roupas diferentes, falavam uma língua estranha.Jesus, quando esteve na terra, certamente tinha costumes distintos dos que conhecemos. As casas eram diferentes, assim como a comida, os meios de transporte, os instrumentos musicais e as ferramentas.
Moisés acharia esquisito conviver com nossa cultura virtual ou ficar preso em um engarrafamento.Se tudo fosse como era antes, se não tivéssemos “evoluído”, não haveria museus tentando reproduzir ambientes que se tornaram estranhos. E não ficaríamos tão admirados dentro deles, orgulhosos por conquistar tanto e por não viver mais de forma tão “ultrapassada”.Quando olhamos para trás, quando lemos as narrativas bíblicas, poucas coisas nos ligam às histórias que lemos e que nos são tão preciosas.
Adão não conheceu a tecnologia que usufruímos. Não sabia o que era isqueiro, barbeador, microondas, escada rolante. Moisés provavelmente nunca tomou um banho quente, não andou de avião, não tinha e-mail nem máquina fotográfica para registrar todos os milagres que viu. Jesus não deve ter visto um prédio de mais de cinco andares, uma casa com teto solar ou um carro com tração nas quatro rodas.
No entanto, há algo que nos liga diretamente a eles. Adão deve ter visto as mesmas árvores que vejo hoje. As mesmas flores, os mesmos frutos, os mesmos animais.
Moisés viu o mesmo mar e sentiu a mesma maresia que sinto ao estar em uma praia.Jesus sentiu o cheiro de terra molhada de chuva, andou por estradas poeirentas, barrentas, viu tempestades e raios, luares e pores-do-sol. A criação nos une. É a terra que temos em comum. Pessoas tão distantes de mim também viram o verde da mata, o azul do céu e o colorido das flores que vejo e posso admirar.
Ligo-me a Adão quando contemplo um besouro, uma aranha, quando sou picada por uma formiga ou quando como uma goiaba. Ainda moro no jardim que Deus criou.As coisas mudam -- isso é inevitável. Provavelmente meus netos não usarão as mesmas roupas que uso. Talvez não comerão os alimentos que como, e a tecnologia que hoje uso e acho tão avançada, talvez será ultrapassada para eles.
Porém, eles continuarão pisando no mesmo chão, olhando as mesmas estrelas, rodeados pelas mesmas montanhas de sempre.É o amor de Deus perpetuado na terra. São lembretes da soberania, da imutabilidade e da ordem do Criador, que, por saber quão instáveis, inconstantes e mutáveis somos, resolveu deixar à nossa vista as marcas de seu próprio caráter.

• Paula Mazzini Mendes tem 27 anos e é membro do Exército de Salvação. Atualmente estuda no Centro Evangélico de Missões e mora em Viçosa, MG.

Fonte: Revista Ultimato setembro/ outubro 2009